Boys Planet ascendeu discussões em torno dos participantes chineses, que por tantos anos fazem parte da história do K-Pop
(Reprodução/Mnet)
Boys Planet está quase há um mês no ar e tem repercutido entre o público. Com uma dinâmica em que os membros são separados por K-Group, trainees nascidos nas Coreia do Sul, e G-Group, trainees globais, o programa deixou em evidência um tópico importante, ídolos estrangeiros, sobre tudo, chineses, no K-Pop. Afinal, o que os motiva a investirem em uma carreira em solo sul-coreano?
As duas primeiras temporadas do Produce 101 contaram com pelo menos uma vaga para trainees não-coreanos, Zhou Jieqiong, mais conhecida como Pinky, fez sua estreia no I.O.I, enquanto Lai Kuanlin ingressou no Wanna One. No Produce 48, a Mnet teve uma proposta mais ousada, um girlgroup formado coreanas e japonesas, o projeto funcionou, por mais que o número de representantes do Japão no IZONE tenha sido menor do que se esperava a princípio.
Survival shows da Coreia do Sul têm buscado serem mais inclusivos com membros estrangeiros — ainda que seja apenas na teoria —, com ao menos um membro de origem não-coreana. Girls Planet dividiu suas participantes pelas nacionalidades: coreanas, chinesas e japonesas, e seu programa irmão, Boys Planet, segue a premissa, dessa vez, com todos os estrangeiros em um único grupo, o G-Group.
(Reprodução/Mnet)
Chineses no K-Pop
K-Pop tem nomes notáveis vindos da China e a presença desses ídolos em grupos não se tornou algo fora do comum desde que Super Junior quebrou essa barreira. O boygroup foi o primeiro da indústria a ter um membro estrangeiro em sua formação, Hangeng debutou em 2005 ao lado dos integrantes coreanos. Mas romper tradições é um verdadeiro desafio, e o cantor passou por grandes dificuldades até ser pelo menos minimamente aceito pelo público, como ataques xenofóbicos e enfrentar a regra de que estrangeiros só poderiam aparecer em três emissoras.
(Divulgação/SM Entertainment)
Ao longo dos anos, o ambiente se tornou menos hostil, mas não totalmente receptivo. Após Hangeng mostrar que era possível, mais ídolos chineses alcançaram seus sonhos, Zhoumi e Henry debutaram na unit chinesa do Super Junior, F(x) estreou em 2009 sob a liderança de Victoria Song, Miss A apresentou duas membros chinesas ao lado de duas coreanas e o EXO debutou com a divisão de EXO-K e EXO-M, com fortes promoções na China ao lado de três membros nativos do país. Pode-se dizer que a SM era um cartão portal esperançoso para crianças chinesas que sonhavam em ingressar no K-Pop, mesmo que o tratamento e distribuição de linhas não acompanhasse essas oportunidades.
Ano após ano, talentos chineses ingressam em programas de sobrevivência ou empresas de entretenimento na Coreia do Sul. Esse interesse em buscar carreira no K-Pop é reflexo de uma série de antecedentes, desde a relação do mercado musical entre os dois países até as características particulares do gênero.
(Divulgação/JYP)
Relação do mercado musical entre China e Coreia do Sul
Não é segredo que uma das maiores fontes de lucro da música sul-coreana é a China. Empresas como a SM Entertainment investem para inserirem seus artista no país e caírem no gosto do público. Um dos maiores fatores que fazem a relação entre K-Pop e China terem laços tão estreitos é esta prosperidade. Como consequência, o publico chinês é exposto a cada vez mais conteúdos do gênero em seu país, através de turnês, fanmeetings, músicas inteiras em seu idioma e mais.
Muitos idols constroem uma base sólida de fãs na China, que se tornam a maior responsável pelas vendas de álbuns e outros conteúdos. EXO, NCT e BTS são alguns exemplo de boygroups com grandes fanbases na China, as famosas Bars. O mercado musical chinês já foi muito mais receptivo com o K-Pop, mas desde o Hallyu Ban, ídolos sul-coreanos enfrentam mais dificuldades de inserirem na China, ainda que não seja tão simples para o governo chinês frear os avanços desses grandes fãclubes.
A China tem buscado preservar e expandir o seu mercado. Desde 2016, o C-Pop conta com o retorno do astros que fizeram sucesso no país vizinho, Lay Zhang do EXO, Cheng Xiao do WJSN e Victoria Song do F(x) são alguns exemplos que participaram do "Êxodo Hallyu", uma vez que as promoções dentro da China, após o Hallyu Ban se tornou a prioridade de grande parte dos artistas chineses que atuavam fora do país.
O mercado musical chinês
Hallyu Ban e os Produces
O retorno de grandes estrelas para promoções dentro da própria China estimulou mudanças, com influências vindas do K-Pop. Uma das importações foram os famosos programas de sobrevivência para a criação de grupos, com o formato dos famosos reality shows lançados pela Mnet, a franquia Produce. O Idol Producer (2018) abriu essas portas e logo na estreia trouxe um elenco de mentores de peso: Lay Zhang do EXO, Jackson Wang do GOT7, Cheng Xiao do WJSN e Zhou Jieqiong do Pristin, ídolos experientes na indústria do K-Pop, que teriam a responsabilidade de usar esses conhecimentos para conduzir um programa que formaria um novo boygroup.
(Reprodução/IQIYI)
A partir de 2018, programas do sistema Produce se espalharam como nunca na China. No total foram, uma temporada de Idol Producer, três de Youth With You — nome pelo qual o Idol Producer passou a ser chamado depois do fim da edição de estreia —, quatro de Chuang e o We Are Young, além de outros realities com menos destaque em outras emissoras, até a suspensão em 2022, após decisões do governo chinês. No geral, estes programas foram um dos principais responsáveis por formar grandes grupos ídolos e deixar em evidência outros que não recebiam tanta atenção do público de fora do seu circulo de fãs, como foi o caso do SNH48 após aparições das integrantes no Youth With You 2 e Chuang 2020.
Desenvolvimento do mercado de ídolos na China
O segmento do entretenimento sul-coreano e chinês obviamente possuem suas peculiaridades. Por mais que nos últimos anos o C-pop tenha recebido influências do K-Pop, as características que atraem tanto futuros artistas e fãs está longe de ser totalmente encontrada na China. O investimentos de ídolos começou de forma mais tardia. É difícil apontar qual foi o primeiro grupo de C-Pop, porém, é inegável que o estouro veio com TFBOYS em 2013, formado pelo trio Wang Junkai, Wang Yuan e Yi Yingqianxi. O boygroup é considerado o mais popular da China e essa influência se expandiu para outros países asiáticos.
(Divulgação/TF Entertainment)
Agências de entretenimento chinesas costumam investir e ter mais recursos para projetos individuais, como a atuação. É comum que membros de grupo passem muito tempo nas telonas e cinema do que muitas vezes no palco, como é o caso de Yu Shuxin, ex-membro do The9, que em três anos protagonizou nove C-Dramas e está confirmada para mais quatro.
Não há tantos recursos para ídolos chineses passarem tanto tempo nos palcos quando realizam novos lançamentos. É claro que há as famosas premiações e festivais de emissoras de fim de ano — no K-Pop seria o equivalente ao MAMA e aos Gayos, respectivamente. Porém, ocorrem em um período específico e muitas celebridades não têm locais para apresentarem suas canções com maior frequência para um público de fora da sua bolha de fãs. Já houveram tentativas de estabelecer programas musicais semanais em emissoras chinesas, porém, sem sucesso. Como foi o caso do Yo! Bang!, que durou apenas três meses.
Trainees chineses no K-Pop atualmente e o Boys Planet
É inegável que a indústria musical chinesa é lucrativa e está em constante expansão. Porém, trainees chineses ainda buscam por carreiras fora de seu país de origem justamente pela China ser uma das principais consumidoras do K-Pop e pelos anos de uma forte influência do gênero no país. Artistas experientes e trainees cresceram consumindo esse conteúdo e acompanhando nomes que fizeram história. Inclusive, artistas sul-coreanos sempre são mencionados entre boygroups e girlgroups do C-Pop. Por exemplo, Yi Yingqianxi do TFBOYS é fã do BIGBANG e Xu Jiaqi do SNH48 é uma apoiadora de Jennie do BLACKPINK.
É comum que queiram viver esta experiência e se identifiquem com ela após tantos anos de expostos a esta indústria. Eles são fãs como todos nós e sonham terem seus talentos aperfeiçoados por empresas responsáveis pela criação de grandes ídolos que eles acompanharam por tanto tempo, se apresentarem constantemente em programas musicais e lotarem turnês. Astros como Hangeng, Lay Zhang, Wang Yibo, Victoria e mais, provaram para esses jovens que é possível se inserir dentro da indústria sul-coreana e servem de inspiração para a nova geração, que deseja seguir os passos deles em grupos de K-Pop.
(Divulgação/Mnet)
Ainda que as leis chinesas busquem frear a influência do gênero dentro do país, já é tarde demais. A nova geração de trainees deseja viver a realidade do K-Pop, mesmo que tenham que realizar sacrifícios, como é visto no primeiro episódio do Boys Planet. Os participantes globais, presentes no G-Group, desistiram de oportunidades grandiosas para estarem na competição. Winnie poderia ter ingressado em uma universidade prestigiada na Tailândia, Chen Kuan Jui é um dançarino reconhecido por grandes apresentações em Taiwan e Zhang Rao poderia lecionar música na China.
Eles são a prova de que o sonho de integrar o K-Pop não está restrito apenas aos sul-coreanos, graças ao crescimento do mercado musical do país, que expandiu para a China e logo para países vizinhos. E quem poderia julgá-los por almejarem fazer parte da indústria? Eles são fãs que tem a oportunidade de integrá-la. Então, por que não tentar?
Xenofobia do público no Boys Planet
É um engano acreditar que a situação para esses participantes tenha se tornado mais amistosa depois de tantos anos de compatriotas na indústria. A sinofobia não deu trégua e, dessa vez, não vem apenas dos coreanos. O Hallyu Ban criou uma desconfiança entre aqueles que não buscam compreender esse jogo político, que está muito além do que artistas e agências podem manejar. Ou não aceitam que a indústria sul-coreana não é perfeita e justa com os artistas estrangeiros.
O Boys Planet ascendeu novamente está sinofobia e revelou que ela não apenas dentro da Coreia do Sul. Recentemente, uma cena no terceiro episódio do programa criou uma discussão nas redes sociais, quando um grupo formado, majoritariamente, por integrantes nascidos na China recorreram a língua nativa para decisões do time em um determinado momento. Vale lembrar que a conversa tinha um intermédio de um participante que traduziu para os companheiros que não falava mandarim ou inglês.
Porém, uma simples situação não surpreendentemente foi usada de forma manipulada pela Mnet, conhecida pelas famosas "evil edits" e os membros chineses foram alvo de críticas, que ultrapassaram os limites. Comentários xenofóbicos mascarados de opinião invadiram as redes e abriu uma grande margem para desinformação a cerca de trainees, ídolos e o mercado chinês.
Falas como "Só não falarem seu idioma nativo enquanto estiverem na gravação de um programa coreano" e "se não concordarem basta voltarem para a China" estão longe de serem taxadas como opinião e mais próximas do que nunca da sinofobia. É uma tentativa de apagamento cultural de artistas estrangeiros pelo simples fato de estarem inseridos em um país distinto. O quão longe esse comportamento está de comentários de sul-coreanos que são criticados por fãs internacionais há tantos anos?
Temos que concordar que a discussão não é tão feroz quando grupos já debutados decidem buscar novos horizontes em outros países. Não há questionamentos sobre o quão fluente em inglês, japonês ou mandarim, os membros são. Além disso, quando esta fluência é cobrada, não demora para que o primeiro posicionamento da comunidade seja apontar a xenofobia por trás dessa exigência. Mas onde está o mesmo tratamento neste momento com estes participantes do Boys Planet e por que a escolha deles de ingressar na indústria é tão questionada?
O K-Pop é um mercado lucrativo na China e fez parte da construção da antiga, atual e futura geração de jovens chineses apaixonados pelo gênero. Não há como privá-los de buscarem um espaço. Assim como os sul-coreanos, muitos desistiram de grandes oportunidades, até mais estáveis do que ser apenas participante de um reality show, para buscarem este sonho maior. Julgar essas motivações e tratá-los de forma diferente pela nacionalidade é compartilhar a sinofobia de parte do público sul-coreano, que por tantos anos era alvo de criticas pelo fandom internacional.
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