Ideia de transpor universo compartilhado para lançamento é esforçada, mas é inegável que veteranos mereciam mais
(SM Entertainment/Divulgação)
Desde sua fundação nos anos 90, a SM Entertainment tem se esforçado para estar à frente do mercado vigente. Nesse sentido, a empresa delimitou no último um ano e meio o conceito de Kwangya, que funciona como um universo compartilhado dos grupos sob o seu comando; e que mistura a tecnologia com os artistas milionários que administra. E agora, a SM resolveu lançar um álbum de inverno coletivo desta iniciativa, mais como uma propaganda do que uma homenagem ao próprio legado.
Dessa forma, o disco 2021 Winter SMTOWN: SMCU Express foi divulgado com dez faixas no dia 27 deste mês. A miscelânea — que pretende agregar algo inédito ao projeto de remasterização de álbuns antigos da SM — deveria ser um chamariz para toda a ideia de Kwangya e a empreitada cara que a companhia está desenvolvendo. O problema é que, mesmo com tamanho esforço de reunir tantas pessoas, o CD não entrega nem metade do que promete ser em teoria: um MCU do K-Pop que deveria ser atraente aos fãs mais velhos, cheio de respeito à história da companhia.
O SMCU Express (com uma sigla de pronúncia duvidosa no português brasileiro) abre com Dreams Come True, um remake do Aespa do sucesso das veteranas S.E.S.. A faixa obviamente foi reestruturada com uma nova produção assinada pela solista BoA, e combina bem com o estilo estabelecido pelas novas queridas da SM. O hip-hop com trap bem demarcado é de bom tom para a entrada do álbum, e a estratégia de iniciar o disco com o Aespa foi inteligente: as cantoras foram as estrelas entre os girlgroups de 2021, e mereceram estar na frente.
Contudo, a primeira entortada de nariz do disco vem logo na segunda faixa, Zoo, com alguns integrantes do NCT em parceria com Giselle (também do Aespa). A música em si melhora conforme é ouvida mais vezes, e os versos de cada um na faixa (Giselle, Hendery, Jeno, Taeyong e Yangyang) não parecem destoar do todo — com menção honrosa à presença dos próprios intérpretes na composição. Apesar disso, Zoo parece não caber neste disco. Perto de Dreams Come True, que abriu o projeto como uma homenagem a outro grupo sênior, a canção desta rap line do SMCU pareceu off de tudo.
E o segundo tropeço do Winter 2021 está em Melody, canção da sub-unit Oh!GG do Girls' Generation — não pela música em si, mas outra vez pela presença estranha na tracklist. A canção é doce, facilmente atraente aos ouvidos e uma das melhores do projeto, mas por que ela não foi lançada como um comeback da unit? O que faltou para as cinco membros do SNSD divulgarem esta música individualmente, dentro de um outro projeto, talvez? É de se pensar o motivo para uma sub-unit do Girls' Generation, que foi bem-recebida em seu debut Lil' Touch, não retornar com um comeback próprio; e ao invés disso, ter sido enfiada no Winter 2021.
Esta dúvida é grande. A partir deste ponto, a visão do autor desta crítica ficou direcionada para os veteranos, e qual o papel que cada um desempenhou neste disco. Neste momento, as vozes dos cantores mais antigos e mais novos da SM misturaram-se nas canções, e de forma geral, as colaborações entre clássico e contemporâneo tiveram altos e baixos.
Dentre as baladas, Ordinary Day (Kyuhyun, Onew, Taeil) destaca-se como a que mais deu certo
O ânimo para continuar o disco foi a colaboração Magical, um dueto de grupos entre o TVXQ e o Super Junior. É uma canção bem divertida, totalmente bubblegum e pop-rock, e que não foge muito do que os dois grupos masculinos já fazem. Além do mais, foi a segunda vez na tracklist do SMCU Express que o projeto enfim teve sentido: uma junção dos grupos veteranos, cujo legado deveria ter sido homenageado de acordo no disco de inverno.
Então, a "área das baladas" começa no CD. A SM sempre foi mestre em fazer ballads, e neste aspecto pelo menos não houve tantos erros. Snow Dream 2021, que é cantada por Yeri (Red Velvet), Ningning (Aespa), Haechan, Chenle e Jisung (NCT), traz a sensação de ver um palco do SMTOWN Live. Sabe aqueles momentos no fim do show, quando os artistas da SM dão as mãos no palco e interagem com o público? Esta é a impressão que Snow Dream transmite, e é uma faixa fofa neste aspecto (e é propositalmente canta pelos maknaes dos grupos citados). Aliás, Snow Dream 2021 também é um remake de outra faixa antiga da SMTOWN, de 2006, o que mostra as múltiplas tentativas da companhia unir seus k-pop acts.
E então chega Ordinary Day, que tem um destaque imenso no disco. A combinação de Kyuhyun, Onew e Taeil, três vocais fortes dentro da SM, parece "saltar" entre as músicas e dizer: "me ouça". A música realmente transmite a identidade da SM Entertainment, que é a casa de vocalistas grandiosos dentro do K-Pop; e ainda sobra um pouco disso em Goodbye, cantada por Sunny (SNSD), Jungwoo e Renjun (NCT). Três personalidades demasiadamente queridas dentro da SM, e que combinaram de maneira agradável.
Nisso, aparece Dinner, outra música com presença do TVXQ e que é um deleite de se escutar (como toda a discografia do duo veterano). E depois, vem The Promise of H.O.T., um instrumental com pitadas de jazz que homenageia um dos primeiros grupos da SM Entertainment. Assim, o álbum encerra com Hope from Kwangya.
Hope from Kwangya é o maior problema deste disco inteiro.
Ao mesmo tempo que a SM quis entregar tudo no SMCU Express, o panorama geral soou fraco
A faixa que conclui um projeto tão ambicioso soa como um comercial de margarina. Hope from Kwangya, diferente de Snow Dream 2021, não traz a sensação de uma SM Entertainment aconchegante e atrativa, mas de uma companhia falsa. E isso foi um tiro pela culatra, pois a canção com várias vozes da SMTOWN é uma regravação de Hope, um dos maiores sucessos do H.O.T. e que deveria concluir o disco de maneira coesa — S.E.S no início, H.O.T no final e a história da SM entre ambos. Foi como chegar ao pico de uma montanha-russa de nostalgia, e o brinquedo parar de funcionar.
É difícil delimitar de maneira assertiva o que há de errado neste disco, mas uma coisa é palpável de pontualidade: o álbum SMCU Express é uma mistura de vozes plurais numa tracklist desconexa, que não há motivo para existir. São dez canções que não apresentam uma clara conexão, como se fossem vários singles mesclados para vender um projeto, e talvez este realmente seja a intenção: o lucro.
A SM é, acima de tudo, uma empresa influente na indústria autofágica que é o K-Pop. Deve-se ter em mente que, ao mesmo tempo que todos estes cantores aparentam estar unidos para uma única causa (no caso, o projeto de Kwangya), todos também são funcionários de uma gravadora multimilionária, que está tentando se adequar ao mercado. Não é à toa que a SM implementou Kwangya, o conceito das inteligências artificiais do Aespa, a lore do universo do EXO e tantas outras ideias num único produto, colorido e tecnológico. A SM Entertainment (ou de forma narcisista, a Soo-man Entertainment) atua com projetos de tecnologia e mantém parcerias com companhias do ramo na Coreia do Sul; o K-Pop produzido por ela precisava de um fim, e o útil uniu-se ao agradável.
Entretanto, não falta paixão entre os artistas da SM, e o respeito hierárquico que estes músicos têm com seu CEO ainda existe. O autor deste texto não acredita no maniqueísmo de que, em todos os casos e aspectos, os cantores da companhia são os "bonzinhos" e a empresa, os "vilões": eles são funcionários, e trabalharam para tornar a SM mais rica. A pergunta é: será que os grupos realmente precisam deste tipo de promoção em combo, ou um aparente esquema de pirâmide? Acredito que não.
De toda forma, o SMCU Express é vendável para aqueles que ainda acreditam na SM Family. Que creem na ideia de que todos são inquestionavelmente muito amigos, e que tomam café no COEX nos tempos livres; e pensar nisso é positivo, pois o K-Pop é para ser legal e proveitoso como entretenimento. Porém, para a ideia que prometeu conceder, faltou muito neste disco: faltou mais SHINee, mais Girls' Generation, mais BoA, mais Red Velvet e por aí vai. Faltou o EXO, que por muito tempo figurou como um dos grupos mais bem-sucedidos da SM, e foi resumido à presença do Kai (que felizmente é uma figura de renome na indústria) com míseras palavras em uma única música.
Se a ideia é homenagear a velha SM, então traga a sensação da velha SM de volta. Remasterizações mais bem divulgadas, mais músicas com os veteranos, ou qualquer outra estratégia seria melhor do que a apresentada em dez canções díspares, sem conexão alguma. No mais, o conceito da Family foi sucateado em prol de alguma ideia mirabolante para o metaverso, que a SM com certeza está de olho. Não há saudade, e sim oportunismo, pois a indústria funciona assim.
Muitos pontos para as músicas separadamente, e para a força de vontade destes artistas de ainda amar a SM (pelo menos no quesito profissional). Ao menos no Twitter, alguns fãs ainda creem na tão comentada genialidade do Lee Sooman, e que o dinheiro não é o objetivo de Kwangya. Senão, você pode não dar a mínima para este lançamento.
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